Da infância gostosa no bairro da Liberdade ficam as lembranças e o grande homem que se tornou. Das produções politizadas do Bando de Teatro Olodum, já se contam mais de trinta anos da boa arte, resistente, persistente e revolucionária. Sua presença já é uma revolução, numa sexta-feira então, chega em nossa sede uma beleza de 1,95m, vestindo branco, cabelos dreads, postura de rei que exala sabedoria e uma vocação explícita à educação.
Jorge Washington é seu nome, mas o prazer é nosso. Lhe demos boas vindas com música e poesia. Nossa poetisa Verônica Serra apresentou a voz e criação da menina-mulher consciente, politizada, bela e potente. Em seguida ele nos presenteou com uma dinâmica para descontração e maior envolvimento nas histórias e palavras emancipadoras que trazia consigo. Conta que teve o apoio fundamental da arte na construção do seu repertório profissional e desenvolvimento da sua autoestima. Jorge lembrou que o bloco Afro Ilê Aiyê acendeu a chama da beleza negra na década de 70 em Salvador, afirmando a beleza do povo preto, subestimado pelos discursos predominantes. A arte alcançou o menino da periferia, mas não foi suficiente para dar-lhe as condições necessárias para sobreviver, por isso desde cedo Jorge trabalhou para garantir seu dinheiro.
Conheceu o teatro ainda jovem no Calabar, em 1984, a expressão artística se posicionando contra a especulação imobiliária da área marginalizada entre Ondina e Jardim Apipema, dois bairros nobres de Salvador, o convocou para entrar em cena. Ao assistir ao espetáculo A Negra Resistência, sobre a Revolta dos Malês, foi surpreendido com a história de união e resistência, “eu nunca soube que os negros se reuniram em 1835 para lutar contra as desigualdades”, afirmou. Até então acompanhava o Grupo de Teatro Calabar nas montagens e desmontagens, até que surge um papel revolucionário para o teatro amador. Nasce Jorge ator.
De peça em peça ele foi acessando saberes que as escolas jamais lhe transmitiriam, conectados com questões raciais, sociais, conômicas e políticas. Ao chegar no teatro da Universidade, no entanto, se frustrou com um trabalho que não dizia nada daquilo que o contagiou no Grupo de Teatro Calabar. Depois veio o curso livre da Funceb – Fundação Cultural do Estado da Bahia, e os mesmos papéis estereotipados para os negros. Jorge quase desistiu, até ver o anúncio sobre a audição para o Bando de Teatro Olodum, com Leda Ornelas e Marcio Meirelles. “Eu não dançava nada, era um quiabo duro, mas a minha cara de pau e o desafio de estar ali me marcou de alguma forma que me seguraram”, recorda.
Da trajetória de mais de 30 anos, um repertório de mais de 40 espetáculos, afirma que a questão racial sempre esteve presente, mesmo quando não era a proposta principal da peça. Exemplifica com a montagem de Sonho de Uma Noite de Verão, quando uma rainha muito bem representada, homens negros e tambores trouxeram Shakespeare para o universo afro-baiano. Lembrou ainda do espetáculo Cabaré da Raça, sucesso de bilheteria do grupo, uma produção leve sobre a história do continente africano para crianças; o espetáculo Bença, valorizando o respeito aos mais velhos. Em todas as produções estavam os atravessamentos que viviam os sujeitos da arte do Bando. Seria inevitável dispensar essas questões em um grupo de teatro que pensa a formação de seus atores, atrizes em atores-cidadãos, atrizes-cidadãs.
Produtor cultural, sua presença e partilhas contribuíram para ampliar nossas percepções e as estratégias empreendedoras apresentadas serão muito úteis aos nossos jovens nesta jornada produção cultural, ratificando o quão promissor é o mercado cultural, e quão potentes são as artes na história de uma cidade, neste caso Salvador que, como em todo o Brasil ainda é muito racista e cruel com a população negra, maioria em números e minoria representativa. Se você está um tanto atento, deve se perguntar porque o Bando de Teatro Olodum, com sua trajetória admirável e bem-sucedida de espetáculos, conteúdos e estratégias engajadas em questões urgentes para a sociedade, nunca recebeu apoio para manter seu elenco e produções. Mais um alerta deixado por Jorge, para que não passemos despercebidas (os) diante do que importa.
Aqui na Pontos Diversos aprendemos com teoria e prática, buscando e socializando conteúdos que estão nos livros sem lançar mão do que é vivo e está latente em nosso cotidiano, ainda que o discurso dominador tente silenciar para prevalecer sobre a voz das minorias. Aqui a diversidade é rainha. Como Jorge Washington é rei.