A assistência social no Brasil compõe um dos pilares da Seguridade Social, cuja definição no caput do art. 194 da Constituição Federal de 1988 estabelece que “Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. Entretanto, não é por acaso que esse direito social integra o imaginário da caridade cristã e das ações de filantropia, a perspectiva colonizada de desenvolvimento da sociedade brasileira constitui uma estrutura social desigual e com elevada concentração de renda. A sobrevivência de uma parcela importante da população brasileira, desde sempre, se refere à garantia de mínimos, que por muito tempo estiveram na agenda principalmente das organizações religiosas e instituições filantrópicas.
A primeira ação pública de assistência social no país foi em 1942, com a Legião Brasileira de Assistência (LBA), que focava prioritariamente no atendimento dos “pracinhas”, da Segunda Guerra Mundial e do grande número de desempregados e familiares, originários de um processo duvidoso de modernização da economia e concentração populacional nos centros urbanos. A primeira versão da assistência social fundou uma prática conhecida atualmente como “primeiro damismo”, pois a cadeira de decisão da LBA era necessariamente ocupada pela primeira-dama presidencial. Com ações fragmentadas, pontuais e voltadas para o atendimento de necessidades emergenciais, a LBA fundou um modelo de assistência social duramente criticado em tempos posteriores, cujos critérios de definição do público atendido e formas de atendimento das necessidades foram definidos como assistencialismo, sendo muitas vezes considerado parte de um projeto de manipulação da opinião pública sobre os governantes da época, em tentativas populistas de conter as massas.
Somente em 1988, a Constituição Federal estabeleceu a assistência como parte da seguridade social, conformando-a enquanto direito social não contributivo, que por meio de uma análise de perfil socioeconômico define seus usuários, conforme aspectos de vulnerabilização social e institui a obrigatoriedade de políticas públicas e tratativas da assistência enquanto tal. Em 1993, a assistência foi regulamentada pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), Lei 8.742, por meio da qual se institui a proteção social básica e a proteção social especial na perspectiva de institucionalizar e estatizar os mínimos sociais. Desde então, o percurso da regulamentação da assistência social tem sido um constate desafio, pautado em inúmeras questões, dentre as quais se destacam a cultura política partidária brasileira, nos moldes coronelistas, de manipular as ações de assistência social em favor de interesses eleitoreiros e individuais e a ausência da vontade política de inserir o tema como prioridade na pauta política dos governos neoliberais.
Apenas em 2004, o Brasil opera a assistência por meio de cadeira ministerial própria com a criação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Não por acaso nesse mesmo ano, o país sai do mapa mundial da fome, resultado de um conjunto de ações intersetoriais, componentes do programa Fome Zero, que incluiu desde a transferência de dinheiro a famílias em situação considerada abaixo da linha da miséria, até ações de promoção de trabalho, qualificação profissional, microcrédito, fomento ao empreendedorismo e agricultura familiar.
A descentralização das ações de assistência social sempre foi pauta da política e contemplou o texto constituinte desde 1988, entretanto, apenas em 2005, a gestão pública e organização entre os poderes alcançam maturidade para regulamentação, surgindo o Sistema Único de Assistência Social, “um sistema público que organiza de forma descentralizada os serviços socioassistenciais no Brasil. Possui um modelo de gestão participativa, que permite a captação de recursos nas três esferas de governo para a execução e o financiamento da Política Nacional de Assistência Social (PNAS)”.
As Normas Operacionais Básicas que regulamentaram as estruturas socioassistenciais do Sistema de assistência e os recursos humanos representaram grande marco legal e determinaram a presença dos Centros de Referência da Assistência Social – CRAS, Centro de Referência Especializado da assistência Social – CREAS e sua rede em todos os municípios do Brasil.
Atualmente, os profissionais do SUAS, usuários e uma seleta ala das representações políticas do Brasil são os defensores da Assistência e mesmo com a redução significativa dos recursos destinados a ela, consequentemente, a precarização dos equipamentos de atendimento socioassistenciais, tratativa ideológica da política e uma aparente retomada do assistencialismo de outros tempos, ela continua sendo parte do tripé da seguridade social e a menos que seja alterado o texto constitucional, ainda pertence à população brasileira vulnerabilizada, o espaço de direito à seguridade.
A assistência não é caridade é a obrigação sobre os mínimos sociais de um país que escolheu a desigualdade estrutural e suas mazelas como organização social.
Carolina Barreto
Diretora Vice-Presidente da Pontos Diversos